27/01/2011

O outro em mim

"Que eu faça um mendigo sentar-se a minha mesa, que eu perdoe aquele que me ofende e me esforce por amar - inclusive o meu inimigo - em nome de cristo, tudo isto, naturalmente, não deixa de ser uma grande virtude. O que faço ao menor dos meus irmãos é ao próprio cristo que faço. Mas, o que acontecerá, se descubro, por ventura, que o menor, o mais miserável de todos, o mais pobre dos mendigos, o mais insolente dos meus caluniadores, o meu inimigo, reside dentro de mim, sou eu mesmo, e precisa da esmola da minha bondade, e que eu mesmo sou o inimigo que é necessário amar?" ( C.G. Jung)


Através das relações, em situações conflituosas, geralmente somos colocados diante de nós mesmos. Aquilo que nos faz questionar a atitude do outro, evidencia nossa projeção, e nos leva a refletir o que no outro nos incomoda profundamente. Se olharmos com cuidado e profundidade, aquilo que tentamos acusar, julgar ou responsabilizar  o outro é exatamente os sentimentos e emoções dentro de nós que tentamos justificar por não conseguirmos encarar, ou seja, aceitar em nós. Assim fica mais fácil, acusar ou responsabilizar o outro.

Isso é estranho e difícil de compreendermos, porque acreditamos que nossa atitude é a "correta", então justificamos apontando a falha no outro, esquecendo que atraimos tais situações justamente para nossa conscientização;  é o outro o nosso espelho.

A partir do momento que a atitude do outro, certa ou errada, não mais nos incomodar, isso sim é a abertura para aceitarmos o outro na sua condição, sabendo que somos ou pensamos diferente, mas nem por isso temos o direito de julgar.

Quando nos amamos e aprendemos a respeitar o humano em nós, com limitações e dificuldades, a também valorizar nossos dons, estaremos prontos para olhar o outro e aceitá-lo na diferença, sem que isso nos incomode, sem que isso seja para nós uma ameaça.

Ana Maria

23/01/2011

O Encontro


                   "Não entre em seu corpo como entraria em um moinho repleto de memórias ou de outras farinhas, penetre-o como faria em um templo, com suas diferentes soleiras, com suas diversas portas, com seus aspectos secretos, com seus altares sagrados.
                  O corpo é um mistério, e você é o guardião e a revelação desse mistério. Cada ser humano tem vários corpos, mas a maior parte do tempo frequentamos somente os mais densos, ignoramos o abraço de nossos corpos sutis, de nosso corpo de diamante... enquanto seus dedos despertos zonas mais sensíveis, não se esqueça de cantar ou, antes, de sussurrar, cada orgão responde a um canto, a um som.
                  O corpo é uma partitura a ser decifrada, uma música a ser ouvida, e você a ouve se a chamar. Cada parte do corpo tem uma inteligência e um nome próprio que devem ser harmonizados com o todo: Não se esqueça dos oceanos que estão a sua volta, das estrelas que o observam, dos animais que o adoram. Não são somente um homem e uma mulher que vão se encontrar, mas dois universos."

Jean Yves Leloup
Imagem: http://palavrasdacoral1.blogs.sapo.pt/39343.html 

16/01/2011

A Alma Imoral

Um livro lido recentemente e que recomendo. É interessante a colocação do autor, ele traz através de uma imagem simbólica todo um imaginal coletivo agregado em nossas raízes culturais e registrado em nossas células corporais. Tem uma linguagem simples e acessível. Segue uma sinopse:


A alma imoral mostra que, num mundo de interdisciplinaridade, religião e biologia, tradição e sobrevivência, continuidade e mutação não são áreas desconexas. Mais do que tudo, num mundo que redescobre o corpo, faz-se necessária uma nova linguagem para descrever a natureza humana. Os milenares conceitos de corpo e alma, propõe Bonder, são o primeiro registro de uma proposta biológica – de estudo da vida e de suas leis.
Num texto que provoca a comparação entre preservação e evolução com tradição e traição, A alma imoral aponta para um paraíso onde os únicos mandamentos eram "multiplicar-se" e lidar com a questão da "transgressão". A consciência humana é formada desta descoberta fantástica de que nossa tarefa não é apenas a procriação, mas, nas condições certas e na medida certa, transcender a nós mesmos. Esta traição para nós mesmos, que é vital para a continuidade da espécie, gera o conceito de alma.
Para Bonder, a alma é o elemento do próprio corpo que está comprometida com alternativas fora deste corpo. E, enquanto o corpo forja a moral para garantir sua preservação através da procriação, a alma engendra transgressões. Esta alma que questiona a moral, assumindo-se muitas vezes imoral, é apresentada através de incontáveis transgressões em textos e conceitos antigos.
Um livro de profundo impacto na reflexão sobre o certo e o errado, a obediência e a desobediência, as fidelidades e as traições. Um convite a conhecer as profundas conexões entre o traidor e o traído, entre a marginalidade e a santidade, entre a alma e o corpo.


Boa leitura!

14/01/2011

Fernando Pessoa

 
O meu olhar é nitido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
 
Creio no Mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
o Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
 
Eu não tenho filosofia: tenho sentido...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...
 
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...
 
Fernando Pessoa
Imagem: Fonte desconhecida
 
 
 

05/01/2011

Ano Novo

                           
 "Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens? 
passa telegramas?)
 

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
 
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre".
    
CARLOS DRUMOND DE ANDRADE
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