Roberto Crema
“A família foi desconstruída”
Bruno Félix - 30 de março de 2014
(domingo)
Educação, violência
e família foram os temas discutidos em entrevista concedida ao POPULAR pelo
psicólogo e antropólogo Roberto Crema, autor e coautor de 30 livros. O educador
esteve recentemente na capital ministrando palestra sobre O Sentido da Mudança,
na 1ª Jornada Transdisciplinar da Universidade Internacional da Paz (Unipaz),
da qual ele é reitor, e cuja programação prevê diversos eventos em Goiânia nos
próximos oito meses. Crema viaja pelo Brasil e pelo mundo dando cursos e
proferindo palestras sobre a importância da abordagem holística, que traz ao
homem uma perspectiva integrada de todos os aspectos construtivos e
colaborações preciosas provenientes da ciência, da filosofia, da arte e da
tradição de cunho espiritual. Confira abaixo.
Estamos passando por um tempo de mudanças?
Como disse o educador e escritor Pierre Weil (1924-2008), em um título
de seus livros, nós vivemos uma época de mudança em uma mudança de época.
Então, vivenciamos um momento intensificado de transformações e tudo indica
que, para cada modelo que se encontra esgotado, outro surge mantendo o positivo
do esgotado, ampliando horizontes em que a dimensão do sujeito, da alma e da
consciência também seja considerada em última instância. Essa época que está
surgindo é a do encontro da ciência com a consciência.
Quais as maiores dificuldades e oportunidades nesse momento de mudança?
Quais as maiores dificuldades e oportunidades nesse momento de mudança?
As dificuldades dizem respeito à resistência ao passado. E as pessoas
apegadas a ele terão poucos recursos. Como a tradição antiga chinesa indica em
um hexagrama, a palavra crise ao mesmo tempo é perigo e oportunidade. É perigo
para as pessoas despreparadas, que estão olhando apenas para trás, e é
oportunidade para aquelas que se prepararam minimamente para o desafio da nova
consciência, que implica uma nova atitude frente aos desafios do momento.
O que é essencial ao bom educador?
O passado é ilusão e o futuro, uma ficção. Nós precisamos de uma
educação para o agora, não para depois. Um bom educador é como um bom
jardineiro. Prepara um solo fértil, adubando-o de forma bem dosificada, podando
justamente – cada planta necessita de uma poda especial –, dialogando e
cantando para a biodiversidade de seu jardim. Mais do que um conhecedor de
botânica é um amante das plantas, que não compara um lírio com uma rosa,
exigindo dos dois o mesmo currículo e a mesma performance, naturalmente. Nas
escolas normóticas nos faltam jardineiros que tenham uma ética da diversidade,
que possam abençoar essa sabedoria que cada criança traz em si e facilitem o
potencial humano.
O que é normose?
É uma patologia que possui um postulado sistêmico e outro evolutivo. A
normose surge no sistema em que existimos, no qual predominam o desequilíbrio,
a violência, o egocentrismo, a falta de escuta, a falta de visão e a corrupção.
Por outro lado, também se caracteriza por uma estagnação evolutiva da falta de
investimento naquilo que é propriamente humano. Nos últimos séculos, temos
investido no mundo da matéria, o que leva uma pessoa a estar totalmente
despreparada para a crise contemporânea. O melhor investimento nesse momento é
na dimensão da alma para o desenvolvimento da inteligência emocional,
relacional, e nós perdemos de vista esse alcance do potencial da alma.
Qual a função da família na construção da visão integral do mundo e da
vida?
A família foi desconstruída. Nós terceirizamos a educação, não existe
mais a função de um pai e de uma mãe. Infelizmente, se tradicionalmente existia
a ausência do pai, agora por uma justa causa, porque o movimento feminino da
liberdade foi muito importante, os meninos estão crescendo sem pai e sem mãe.
Então, de fato, precisamos resgatar certos valores, porque a família é uma
célula de uma sociedade e, se a sociedade está dominantemente doente, essa
família vai estar também manifestando essa contradição sistêmica. Portanto,
precisamos resgatar a saúde de uma família e isso pede novamente por uma nova
educação, uma que seja iniciada no útero, que é a primeira sala de aula em que
a mãe e o pai são os primeiros mestres. Assim, precisamos resgatar certos princípios
fundamentais a partir dos quais poderíamos reconstruir uma possibilidade de
existir um espaço que seja mais humano, mais saudável e mais pleno.
Por que as pessoas têm dificuldade de entender as outras?
Só compreende o outro quem aprendeu a se conhecer, quem conquistou um
centro, colocando em ordem a sua própria casa: corpo, psique, consciência.
Necessitamos de uma inteligência fundamentada na consciência de não dualidade,
nas fontes vivas da autêntica espiritualidade que se traduzem por amor
solidário. O ego precisa ser orientado pelo Ser. O problema não é o
conhecimento, a informação, e sim a formação. O problema é o discernimento, o
que fazer diante dessa Torre de Babel virtual. Temos uma quantidade de
informações, mas as pessoas estão cada vez mais ansiosas, cada vez mais
perdidas, porque não há dimensão do discernimento de um sujeito que possa
distinguir entre a erva daninha e o trigo, e essa é a questão. Não podemos
compreender o outro e o mundo se não compreendemos minimamente quem nós somos.
Qual a melhor forma de combater a violência e o medo que dominam as
grandes cidades?
Necessitamos, mais do que nunca, de uma educação para a paz e a não
violência. Cada um de nós representa um pedacinho de praça pública e é a partir
daí que podemos exercer a nossa liberdade. Antes de buscar instituir uma paz
social e ambiental, precisamos trabalhar por uma paz no interior de nós mesmos,
e a partir disso expandimos essa paz para a sociedade e para a natureza. Quando
dentro de nós a emoção está em guerra com o pensamento, a sensação está em
guerra com a intuição, quando a inteligência masculina da efetividade está em
guerra com a inteligência feminina da afetividade, como podemos ser
instrumentos de paz?
“O problema não é o conhecimento, a informação, e sim a formação. O
problema é o discernimento, o que fazer diante dessa Torre de Babel virtual”
Fonte: O POPULAR
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